Fernando Caldeira
Autonomia do Banco Central e o silêncio das prioridades nacionais
Enquanto milhões sofrem com desemprego, fome e falta de vacinas, o Congresso corre para entregar ao mercado o controle do Banco Central.

De repente, não mais que de repente, como disse o poeta, o Congresso Nacional descobriu uma nova “emergência”: aprovar, a toque de caixa, o projeto de lei que concede autonomia ao Banco Central. Engavetado há três décadas, o texto parecia esquecido, até que os presidentes Arthur Lira e Rodrigo Pacheco resolveram elevá-lo à condição de prioridade nacional.
Mas afinal, o que significa essa tal autonomia? Em linguagem simples, é como entregar a raposa para tomar conta do galinheiro. O Banco Central, que já opera com enorme influência de agentes privados, passaria a ter ainda mais liberdade para atuar em favor do mercado, e menos em função do povo. É, em outras palavras, retirar do poder público o controle sobre as receitas do país — receitas que vêm do suor, do trabalho e dos impostos de milhões de brasileiros.
Enquanto isso, os verdadeiros problemas seguem escanteados. A pandemia escancarou a falta de vacinas, o déficit habitacional continua crescendo, o desemprego castiga famílias e a miséria se amplia nas periferias. Essas seriam as prioridades óbvias de qualquer governo ou parlamento comprometido com sua gente. Mas não: a pressa é em aprovar um projeto que só interessa ao sistema financeiro.
É legítimo perguntar: por que tamanha urgência agora? Quem lucra com essa pressa repentina? Certamente não é o povo brasileiro, que ainda enfrenta filas no SUS, salários arrochados e uma economia sem perspectivas reais de recuperação.
A autonomia do Banco Central pode até ser um tema técnico e sofisticado para alguns, mas na prática simboliza a entrega de mais um pedaço do Estado brasileiro ao poder do mercado. E, quando isso acontece, a democracia perde um pouco mais de sua essência: a de colocar o interesse coletivo acima dos privilégios de poucos.
O Congresso deveria ter pressa, sim, mas para salvar vidas, garantir renda e devolver dignidade aos que mais sofrem. No entanto, ao que tudo indica, essa não é a “emergência” que move os corredores de Brasília.
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